domingo, 15 de janeiro de 2012

Silhuetas de vida


Silhuetas de vida
Perguntei a um destes imponentes troncos que encontrei no meu caminho:
- Diz-me, se pudesses ter fugido quando o fogo te atacou terias fugido?
A árvore, ou melhor o que resta dela, nem se mexeu… como que ignorando a minha pergunta de tão absurda que era…
Então, um sopro de vento, extraiu um silvo e um estalo daquele tronco carbonizado e carunchoso. Vi um sorriso na árvore que de seguida me respondeu:
- Que achas? Claro que sim! Mas as minhas raízes impediram-me de o fazer. Eu bem tentei, mas percebi que era aqui que tinha de ficar.
- Deve ser doloroso, querer sair de um lugar e não poder – Disse eu, tentando perceber a angústia daquele imponente pedaço de vida carbonizado.
- Não. Só é doloroso o que não soubermos aceitar como nosso desígnio. Repara: Já fui carregada de cor, de vida, de alegria. Já tive folhas, já tive uma copa frondosa, já dei sombra e frescura. Testemunhei namoros, promessas e planos. Já recebi muita energia. Já transformei muito dióxido de carbono em oxigénio. Já dei muita vida… e tudo isto, sem sair do mesmo lugar!
Estava estupefacto a ouvir aquela árvore, e a imaginá-la em tudo o que acabava de referir. Como é possível? Que magnífico lugar o das árvores no Universo! Como seria o mundo se os Homens pensassem também assim?
Nisto, um novo silvo de vento devolveu a palavra à árvore:
- Seria certamente um mundo melhor…
- Mas, consegues ler os meus pensamentos?
- Não te assustes… Sou agora um tronco de carvão com galhos, carcomido pelo caruncho, mas a minha alma está intacta, e em sintonia com a tua e com todo o Universo. Por isso, sei o que pensas. E digo-te: Se cada Homem vivesse também para dar vida, e podendo graças à sua mobilidade, levar vida alegria e cor de lugar em lugar, é óbvio que o mundo seria melhor!
Continuei estático, incrédulo a olhar para aquela árvore e a digerir o que me dissera…
- As minhas raízes – continuou – impediram-me de fugir de uma morte certa. Mas deram-se suporte para uma vida cheia e plena. Também há “Homens árvore” cujas raízes assentam em valores de ética, moral e solidariedade e podem encher as suas vidas e as dos outros. Quando os Homens ignoram estas raízes, estes valores, podem fugir… fogem da realidade, fogem dos outros, mas não fogem de uma vida frustrada, de uma vida fingida, de uma vida vazia. Não têm o suporte e a firmeza que dão essas raízes. São voláteis!
Apoiado no meu bastão, não conseguia desviar a minha atenção daquelas palavras.
- Por mim, - prosseguiu- O meu ciclo está prestes a terminar. Agora, estou apenas a decorar a paisagem nesta mistura de belo dantesco que te chamou a atenção, e conversando com um ou outro que por aqui passa e repara em mim, como tu. Outras árvores estão a iniciar o seu ciclo. Mas seria bom que houvesse mais “Homens arvore”. Certamente conheces alguns. Vai, e convence-os a espalhar vida! Não apenas num lugar, porque não são árvores, mas por todo o lugar que passem… porque são Homens! E em cada lugar, que deixem o brilho do sol, que reguem com a água da alegria, que dancem com o vento, ao som da musica da natureza… e que abracem a harmonia do todo o Universo!
Percebi o recado, e de novo me fiz ao caminho. Percorri alguns metros e não resistia olhar para trás. Um novo sopro de vento murmurou mais um estalo daquele corpo escuro e inerte. Uma saudação amiga… um até já, de alguém que sempre soube e cumpriu o seu papel no Universo.
Bem-haja!
Vou agora procurar “Homens árvore”. Temos muito que fazer! Há muita gente a precisar de vida!

7 comentários:

  1. Jaime, acho magnifico este teu texto.
    Um abraço
    Mano

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  2. Obrigado Mano! Estás a ficar um assíduo leitor... Estás a ver... se tivesses tido oportunidade de vir comigo ontem no passeio, tinhas conhecido a árvore. Mas deixa. Segundo sei ela não tem planos para ir a lado nenhum, de forma que na próxima oportunidade apresento-ta!!! Um abraço.

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  3. Meu caro Jaime...
    Temos pela tua sanidade mental quando te vejo a falar com uma árvore, principalmente quando é uma conversa tão profunda como essa. Gostei, achei deveras magnífico!
    Mexeu comigo!
    Um grande abraço.

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  4. Meu caro Tiago: Bem vindo de volta á tua condição de "comentador de serviço" no meu Blogue!Fazes cá falta!
    Já achava estranho que alguém não tivesse ainda questionado a minha sanidade mental por falar com as árvores. Já não é a primeira vez, sabes?!? É a primeira vez que escrevo... mas falar, falo muito com as árvores, com o Sol,com a Lua,com as raposas,com os coelhos, com as perdizes... E o que nós nos divertimos!Mas mais... ficas a saber que também falo com os alecrins, com as abelhas, com os odores, com a chuva... e falo até com as "Cores da Manhã"! Parece-te estranho? Pois, acredito que sim. Mas quanto à sanidade mental, garanto-te que nunca esteve como agora! Mal ou bem? Melhor ou pior? Não sei... a mim não me preocupa nada. Rigorosamente nada! Sou e serei sempre aquele que os "outros" reconhecerem como tal. Um Abraço. E ainda bem que gostaste do texto... Se me entusiasmar, talvez reproduza aqui uma conversa com uma raposa... Mas atenção: Era uma raposa velha... Fica atento, e volta sempre!

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  5. Jaime, eu vou lendo, mas não tenho comentado. Tal como já tinha lido esta tua resposta no dia em que a publicaste, mas apenas agora consegui responder, mas tentarei voltar à condição de "comentador de serviço":

    Pois, eu questionei a tua sanidade mental, porque eu mesmo questiono a minha própria sanidade mental. Não imaginas os longos diálogos que tenho regularmente, ou comigo mesmo ou com objectos ditos inanimados... Fico contente por descobrir que não sou o único. =)
    Adoraria ler mais textos, se forem como este serão brilhantes!

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  6. Meu caro Jaime,
    Ao longo dos muitos anos que te conheço e já são quase 20, habituei-me a ver em ti um "homem árvore" que permanece impaSsível frente a cada designio da vida e sempre teimaste em cumprir a tua missão. Foste e serás para mim sempre um exemplo de serenidade e de quem sabe o momento de caminhar ou ficar quieto, esperando o momento - o momento certo. Este teu texto, é uma notável reflexão sobre a vida e os seus designios. Sobre a nossa missão nesta vida e sobre a nossa conduta. Li, reli e refleti...que sábias metáforas nos transmites meu caro amigo de tantas lutas. Gostei e agora vou procurara mais "homens árvores" que se unam a mim e me ajudem a cumprir o futuro.
    Obrigado amigo Jaime
    Um abraço
    Célio Soares

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  7. Célio: É bom "ver-te" por aqui. Obrigado pelas tuas simpáticas palavras.Volta sempre!

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